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Um intelectual sem medo de Justiça... e caos!

Adauto Suannes: Autor do livro Justiça & Caos

Entrevista exclusiva para o PORTAL IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o autor revela que, ao contrário do que pensa o senso comum, “em nome da justiça vem-se produzindo o caos”.

PORTAL IBCCRIM - Como veio a inspiração para escrever "Justiça & Caos"? Como o senhor resolveu expressar a inquietação trazida pela maturidade?  

ADAUTO SUANNES - Essa inquietação sempre me acompanhou. Enquanto Santo Tomás dizia que a Justiça, restabelecendo a ordem, leva à paz, a pós-modernidade, aqui e no mundo todo, prova o contrário: em nome da justiça vem-se produzindo o caos. Os governantes nazistas foram condenados por haverem imposto aos alemães, leis alemãs. Os EUA estão fazendo coisa pior: impondo seu ponto de vista a não-americanos. Em nome de quê? Acho que, pelo menos, deveríamos falar menos em "justiça", pois ela é inconcretizável.

PORTAL IBCCRIM - O senhor escreve no seu livro que achou que "deveria prestar contas daquilo de melhor que recebeu ao nascer", ou seja, sua "capacidade de se indignar". O senhor julga que as pessoas, em nossa sociedade pós-moderna, estão se indignando de menos e se contentando demais com a crueldade que lhes é mostrada na TV?

ADAUTO SUANNES - Sem a menor dúvida. A alienação dos jovens (especialmente no Brasil) é algo de estarrecer. As causas são muitas, mas o individualismo (vale dizer, egocentrismo) é a principal delas. Os professores universitários são, de modo geral, meros burocratas.

PORTAL IBCCRIM - Em sua obra, as citações são profícuas e de grande amplitude, indo do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade ao mitólogo norte-americano Joseph Campbell. De que maneira o senhor conseguiu conciliar sua cultura literária com o conhecimento jurídico prático como desembargador? O livro pode ser considerado o resultado desse amálgama entre cultura literária e erudição jurídica?

A maioria dos juizes parece supor que fora do Direito não há vida inteligente. Já se chegou a incluir em prova para ingresso na magistratura perguntas sobre Literatura Alemã. Não me consta que alguma vez se tenham incluído questões sobre psicologia. E o juiz "avalia" condutas das partes e das testemunhas. Há que se repensar isso, especialmente em face do que ocorre na área do Direito de Família.

PORTAL IBCCRIM - No prefácio de seu livro, escrito pelo Dr. Alberto Silva Franco, há um exemplo de como o Military Comissions Act 2006 deu origem a um mecanismo perverso e poderoso que afronta os direitos fundamentais, a ser usado pelo Estado norte-americano. Por meio desse recurso, ao adotar o conceito de "inimigo combatente ilegal", é possível deter alguém sem definir o tempo de prisão cautelar e não lhe conceder o direito ao habeas corpus, dentre outras limitações. Essa legislação confere ao poder executivo norte-americano uma força abusiva, garantindo o uso da força para garantir quaisquer arbitrariedades. Que cuidados a sociedade moderna e seus legisladores devem tomar para evitar paroxismos autoritários como esses, num mundo cada vez mais globalizado?

Enquanto a ONU estiver sob o poder de Estados com poder de veto, sua atuação estará obviamente limitada. No caso Nicarágua versus EUA, citado no livro, a deliberação da ONU a respeito não foi possível em razão de veto dos EUA! A vontade do acusado sobrepondo-se à atuação do juiz merece que nome? No nosso Congresso Nacional, segundo me consta, o congressista vota na decisão em que se discute se ele deve ou não perder o mandato. Juiz de si mesmo. Aliás, seus colegas votam sem identificar-se, para não serem punidos por seus eleitores.

PORTAL IBCCRIM - O senhor afirma que o Direito só tem feito retardar a solução de conflitos e que a ele não pode ser atribuído o papel de "escada de ouro que leve as partes conflitantes aos pés da divindade, que tirará de seu alforje o Santo Graal da Justiça". Quais são, no seu entender, as funções do Direito hoje e quais as expectativas que a sociedade tem de seus operadores? Elas são correspondidas?

A função do Poder Judiciário não é fazer justiça: é compor conflitos e procurar resolvê-los o mais rápido possível. Ou você acha que quando o processo termina em acordo a parte acha que lhe fizeram justiça?

PORTAL IBCCRIM - Seus ex-colegas juízes de Direito conseguem entender as relações complexas que o senhor faz entre o Processo Judicial e a Teoria do Caos? O senhor acha que suas análises podem repercutir de alguma forma na prática do juiz de Direito de hoje? Eles estão abertos a novidades revolucionárias como as que o senhor trata em seu livro?

Acho um tema ainda pouco explorado, mas é difícil deixar de concordar com essa realidade: o processo judicial assume quase sempre um aspecto caótico. E isso geralmente se dá por culpa do juiz, que age com indiferença, supondo que está agindo com desinteresse, o que é coisa diversa.

PORTAL IBCCRIM - Só para dar um exemplo para nossos leitores: que conseqüências práticas têm, num Processo Penal, as decorrências da frase do cientista Ian Gleiser: "Pequenas variações nas condições iniciais têm um grande impacto em suas trajetórias futuras"?

O melhor exemplo disso é o fato de o juiz não impedir a chicana. Há uma tese na petição inicial e uma contra-tese na resposta do réu, definindo-se o objeto do litígio. O juiz não pode permitir que as partes fujam disso. Para tanto, seria necessário que ele, por exemplo, quando fosse presidir a audiência, conhecesse o que há nos autos, deixando claro quais os pontos duvidosos que devem ser aclarados pela prova. Quem advoga sabe que isso é exceção.

PORTAL IBCCRIM - Até onde o Caos que o senhor constata e relata em seu livro pode servir de lição e desafio para a próxima geração de operadores de Direito?

Não consigo ser pessimista. Em 1983, num congresso de Tribunais de Alçada, apresentei uma tese, que nada tinha de excepcional: "Todo réu tem o direito de entrevistar-se com seu advogado antes de ser interrogado judicialmente. Se não tiver advogado, o juiz deve nomear-lhe um defensor antes do interrogatório". Tal tese foi aprovada, como está nos anais do congresso. Tudo continou na mesma até 2003, quando aquilo, sem qualquer participação minha, virou lei (veja no Código de Processo Penal o art 185).

FONTE: www.ibccrim.org.br

"só existe crime organizado numa sociedade desorganizada,
na qual os poderes estão contaminados pela corrupção deste crime"
 
Adauto Suannes - Desembargador aposentado - Jurista
autor de diversas obras jurídicas, entre elas: 
 
"Justiça & Caos'' (Instituto Memória),
 
“Que é o Habeas Corpus?” (Brasiliense), “Noções de Direito Público e Privado” (Max Limonad) e “Os Fundamentos Éticos do Devido Processo Penal” (Revista dos Tribunais).


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