SINOPSE
Esses poemas de Martin Liebovitch se constituem em uma coletânea experimental com esse poeta como heterônimo, nascido sem planejamento nem intencionalidade. Começou quando eu era reitor de um centro universitário particular e me vi pressionado por um estudante, Marcelo Domingos, que ameaçava me prender no prédio da reitoria. Decidi escrever poemas e oferecer para publicar no jornal de protesto do grupo. Optei pela temática do amor inalcançável e uma linha divinatória do cabala. Ele abraçou a ideia e eu chamei o imaginário Martin Liebovitch para assinar os poemas. Não poderia ser o reitor. E assim foi feito. E assim surgiu a luz. Publiquei todos no folhetim moderno de media social, agora em livro.
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Martin Liebovitch, jovem, e nem tão jovem quanto gostaria, um poeta meio proscrito, filho de judeus tchecas, chegado ao Brasil no início da primeira guerra, fugindo tanto da guerra quanto do crise econômica de 1848 que fechou a fábrica de chapéus de seu pai. Sua família terminou desterrada na cidade do Irará, sertão da Bahia.
Martin tinha oito anos, falava checo, alemão e ídiche e não possuía nenhuma ideia do que fosse a língua portuguesa; mas como era jovem e o cérebro linguístico tipo esponja que viria a ser defendido por Noam Chomsky, em sua gramática generativa, não teve muito dificuldade de aprender a língua e rimas locais. Foi ajudado pelo ritmo da comadre Vicenza, baiana ruiva de origem Piedmontesa, também judia, e apoixanada pelos versos e rimas do Ottocento italiano e as construções precisas dos sonetos de Camões.
Nos fins de semana, na feira livre, Martin sentava, com seu pai, no comércio informal de eletrodomésticos e o que mais prendia a atenção do garoto eram as narrativas dos poetas populares, a cantiga de arremate, a rima dos cantadores e as intrigas do cordel. Não perdia uma cantoria de cheganças e mata-mouros, embora sempre se perdesse na rapidez linguistica das emboladas. Repetia linhas e estrofe sem saber propriamente o que significavam. Era tudo diversões.
Na escola quando lia os poetas parnasianos tudo lhe parecia previsível; podia advinhas as rimas. Era uma brincadeira interessante mas meio monótona. Chegou a pensar, quando tinha 11 anos e lia os clássicos na escola estadual : se um dia escrever vou preferir a poesia de rua e a rima sem muito rimas, democrática e libertária.
Um día de sábado, Vicenza levou Martin para uma sombra de ipê roxo, o chão coberto de cores, abriu uma coletânea de poesia italiana e começou a recitar: o pobre do Martim mal sabia português e já estava engolfado pelo italiano. Mas vida de judeu é assim mesmo.
E foi através de Vicenza, muitos anos depois que tomei conhecimento do obra poética do Liebovitch. Sabendo que eu era um jovem professor, naquele workshop de literatura para e escola pública, ela me abordou e disse:
— professor, vou lhe dar duas coletâneas de um poeta do Irará, vindo da Europa ainda menino. Gosto muito do que ele escreve.
Concordei e no outro dia ele chegou com 5 pastas de poemas! Quase devolvo, mas não tive coragem.
Li uns quatrocentos poemas, acho que pulei alguns, outros apenas olhei, mas fui
impactado por um conjunto que decidi compartilhar com você, leitor amigo. Os outros poderão ser novas coletâneas, um dia.
Nelson Cerqueira
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Nelson Cerqueira, nascido no Irará, Bahia, Brasil, poeta, ensaísta, crítico de arte, romancista, PhD em literatura comparada pela Universidade de Indiana, Bloomington, com teses sobre Kafka, Graciliano Ramos e Faulkner.
26 livros publicados, centenas de artigos e orientações de teses em direito no PPGD da UFBA, com bolsas da Alemanha, França e Fulbright, Estados Unidos; parceiro de 12 coletâneas de ensaios jurídicos, com a participação de dezenas de alunos juristas, junto com o insigne magistrado e amigo, Prof. Dr. Rodolfo Pamplona Filho, um excelente poeta e inovador da poesia cantada.
Nelson Cerqueira é Membro da Academia de Letras da Bahia, Distinguished Literary Lecturer e membro da LASA, Latin American Studies Association.
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