SINOPSE
PREFÁCIO
Experimentamos de modo extraordinário os impactos das novas biotecnologias. Acompanhamos a centralidade – crítica e problemática, é verdade - que a saúde humana ostentou em escala global. Vivenciamos isso cotidianamente e de modo hiperconectado: virtual, biológica e socialmente. Aparatos biotecnológicos foram ostensivamente acionados. Com isso, hospitais e laboratórios, em grande medida, mobilizaram a racionalidade tecnológica subjacente. Ela ganhou espaço tanto no cotidiano familiar como na arena política, colocando em disputa narrativas de verdade e eficiência das ciências e suas tecnologias.
Isso mostra o funcionamento da gestão biopolítica foucaultiana e a interação saber-poder-verdade. Mais que nunca, as biotecnologias associadas as tecnologias da informação demonstram sua capacidade de (des)controle social. O contexto pandêmico evidenciou os diferentes interesses em jogo na produção das novas tecnologias aplicadas à saúde humana. Máscaras, equipamentos hospitalares e vacinas foram exemplares nesse aspecto. O que nos fez perceber, no ápice das inovações tecnológicas produzidas pela sociedade atual, a fragilidade do humano no sentido biológico-individual e político-social.
Diante desse cenário, você, leitora e leitor, está diante de uma coletânea que toma como objeto de investigação questões clássicas e contemporâneas no campo da bioética e do biodireito, muitas delas evidenciadas pela COVID-19, sem, no entanto, restringir suas reflexões ao momento pandêmico.
Temas que orbitam o início e final de vida, como reprodução humana assistida, interrupção da gestação e direito à morte digna compõem o quadro de questões clássicas em biodireito. Já no campo dos temas contemporâneos, a obra analisa tanto temas mais atinentes ao campo da “bioética cotidiana”, como as políticas de encarceramento de mulheres trans e as políticas de inclusão das pessoas com deficiência; quanto questões da chamada “bioética de fronteira”, como o uso da tecnologia CRISPR-CAS9 e a eventual quebra de patente da vacina contra a COVID-19.
Já nas primeiras páginas se vê que esse livro, situado no campo do biodireito e da bioética, é fruto de um trabalho de pesquisa de fôlego e colaborativo entre os autores e autoras. Esta coletânea representa uma significativa contribuição científica para o campo do biodireito. Sob a curadoria científica de duas juristas – Claudia Loureiro e Maria Garcia - cujas trajetórias de pesquisa e atuação profissional no campo da bioética e do direito internacional público ficam aqui evidenciadas, os textos discutem temas na perspectiva de diferentes disciplinas do direito (penal, constitucional, civil, família, saúde etc.).
O fio condutor, na composição mais geral dos textos que integram a obra, evidencia o cuidado e rigor teórico-metodológico, bem como a qualidade das pesquisas que aqui se apresentam, com abordagens de natureza teórica, dogmática, jurídico-social, filosófica, entre outras. Além do esforço das autoras e autores em situar o estado da arte, muito útil para quem é principiante, os textos apontam reflexões profundas e originais, as quais tocam as fronteiras do conhecimento e as lacunas a serem preenchidas por pesquisas futuras.
Esta obra que você tem em mãos, cara leitora e leitor, trilha um percurso do clássico ao contemporâneo no biodireito. No campo das questões clássicas de início da vida, considerando o direito penal brasileiro, bem como as decisões de cortes internacionais de direitos humanos sobre abortamento, coloca-se o questionamento sobre a capacidade e limites do direito penal para enfrentar a prática de aborto. Há, ainda, a problematização sobre ser ou não obrigatório o fornecimento de técnicas de reprodução humana assistida pelos planos de saúde, possibilitando que pessoas inférteis possam exercer o direito ao planejamento familiar e à saúde. E diversos textos que, com perspectivas, recortes e abordagens diferentes, enfrentam a questão da morte digna como direito.
Isso, sem deixar de fora questões de ponta, como interrogar sobre as repercussões éticas e jurídicas da edição genética por meio da tecnologia CRISPR-CAS9. Tampouco grandes reflexões sobre como pensar, afinal, as consequências das produções biotecnológicas de modo não antropocêntrico e mais holístico na nossa sociedade contemporânea? Em quais bases assentar os fundamentos normativos do biodireito hoje? E, ainda, quais seriam os parâmetros norteadores do direito à liberdade de investigação científica, inclusive no contexto da pandemia?
Especificamente em decorrência do contexto pandêmico, as questões norteadoras versam sobre quais a lições foram apreendidas com a quebra de patente do antirretroviral da AIDS em relação a eventual aplicação no caso da vacina da COVID-19? Considerando as crises sanitárias brasileiras, o que haveria de semelhante, na perspectiva das vítimas, entre os casos Césio-137 e COVID-19?
Além disso, os textos também passam por análises com foco em grupos vulneráveis ou vulnerados como mulheres trans e pessoas com deficiência. Nesse sentido, investigam em quais condições legais e institucionais ocorre o encarceramento de mulheres trans em penitenciárias masculinas. Também buscam identificar quais discussões permaneceram ou surgiram, após o estatuto da pessoa com deficiência, no processo de elaboração e aplicação das normas jurídicas relativas a essas pessoas. E, mais especificamente, quais os impactos da COVID-19 no direito à saúde das pessoas com deficiência?
Com imensa honra e satisfação, cumpre-me registrar que você, leitor ou leitora, tem diante de si uma obra que nos transporta para os grandes debates biojurídicos de envergadura global, sem se descuidar dos problemas locais, empíricos e delicados que movem essas reflexões.
Taysa Schiocchet
Professora Adjunta de Teoria do Direito e Direitos Humanos
Coordenadora do Clínica de Direitos Humanos (CDH|UFPR)
Faculdade de Direito e Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR
SUMÁRIO
Capítulo 1 A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA: BREVE ANÁLISE DO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA SOB O VIÉS HONNETTIANO
Paulo Roberto Braga Junior
Juan Roque Abilio
Maurício Gonçalves Saliba
Capítulo 2 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A SAÚDE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA PANDEMIA DA COVID 19
Flávia Piva Almeida Leite
Maria Cristina Teixeira
Capítulo 3 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CONTEÚDO FUNDAMENTAL DO BIODIREITO
Renata da Rocha
Capítulo 4 POLÍTICAS DE ENCARCERAMENTO DE MULHERES TRANS NO BRASIL: DIÁLOGOS ENTRE A ‘ESTATIZAÇÃO DE CORPOS’ E A DIGNIDADE HUMANA
Ana Laura Bernadelli Nunes
Daniel Urias Pereira Feitoza
Débora Regina Pastana
Capítulo 5 LIBERDADE DE INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA: UMA BREVE REFLEXÃO
Maria Helena Diniz
Capítulo 6 CRISPR-CAS9, DIGNIDADE HUMANA E RACIOCÍNIO ÉTICO
Alcino Eduardo Bonella
Mikael Souza Barra Nova de Melo
Capítulo 7 TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO E A TELEMEDICINA: UMA VISÃO BIOÉTICA
Ana Elizabeth Lapa Wanderley Cavalcanti
Marcelo Assis Rivarolli
Capítulo 8 ANÁLISE EM RELAÇÃO AO SISTEMA JURÍDICO PENAL BRASILEIRO DE ABORTAMENTO PERANTE ÀS NORMAS DE DIREITOS HUMANOS INTERNACIONAIS
Robyson Danilo Carneiro
Maria Cecilia M. N. T. Rodrigues
Capítulo 9 A GEOPOLÍTICA DA VACINA DA COVID-19: APRENDEMOS ALGO COM A QUEBRA DE PATENTE DO ANTIRRETROVIRAL DA AIDS?
Tatiana Cardoso Squeff
Izabela Ambo Okusiro
Capítulo 10 CÉSIO-137, CORONAVÍRUS, E A PERSPECTIVA DAS VÍTIMAS: UMA COMPARAÇÃO SISTEMÁTICA ENTRE DUAS CRISES QUE ABALARAM O SISTEMA DE SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL (1987 E 2020)
Marcelo de Araújo
Capítulo 11 MUDANÇA DE ROTA: DOS MICRÓBIOS À HUMANIDADE
Claudia Loureiro
Maria Garcia
Capítulo 12 EUTANÁSIA: HOMICÍDIO OU DIREITO A UMA MORTE DIGNA?
Jorge Shiguemitsu Fujita
Yves Alessandro Russo Zamataro
Capítulo 13 REFLEXÕES JURÍDICAS SOBRE O DIREITO À MORTE DIGNA
Guilherme Degraf
Nelma Cristina Gadonski
Valter Foleto Santin
Capítulo 14 A INTERSECCIONALIDADE ENTRE A EUTANÁSIA E A DIGNIDADE HUMANA: REFLEXÕES BIOÉTICAS DO CASO LAMBERT E OUTROS VS FRANÇA
Daniel Urias Pereira Feitoza
Pedro Lucchetti Silva
Renata Alvares Gaspar
Capítulo 15 BREVES DISCUSSÕES ACERCA DAS MUDANÇAS NA MEDICINA E SEUS REFLEXOS NA VIDA HUMANA: A GESTAÇÃO POR SUBSTITUIÇÃO E AS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE
Juliana Carvalho Pavão
Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador
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