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A FUNÇÃO DISSUASÓRIA E PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL - fundamentos e proposta de aplicação no direito brasileiro

Autor: Luciana Gemelli Eick
Páginas: 258 pgs.
Ano da Publicação: 2020
Editora: Instituto Memória
Preço: R$ 120,00

SINOPSE

APRESENTAÇÃO

Em agosto de 2017, abri o primeiro encontro com a pequena turma da minha disciplina de doutorado dizendo que nunca vira, numa mesma sala de aula, concentração de massa crítica tão densa de pessoas com a mesma origem gentílica. A brincadeira se justificava, porque eu e mais duas alunas éramos conterrâneos, nascidos na saudosa Marcelino Ramos. Uma das alunas era Luciana Gemelli Eick, que agora que me confere a honra de apresentá-la nessa sua estreia como autora de um livro individual.

O texto resulta da tese defendida por Luciana para obtenção do grau de Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Tive a feliz oportunidade de ser o seu orientador.

A tese propõe a aplicação da função dissuasória à responsabilidade civil. Trata-se de tema controvertido, que já inspirou outras teses e ensaios doutrinários no Brasil. Grande parte dos autores se inclina pelo rechaço da tese, por falta de amparo legal. Todavia, é um tema que cala fundo na realidade. Por isso, nesta apresentação, optei por ser menos analítico e mais generalista, falando preferencialmente ao público em geral do que propriamente ao jurista. Os argumentos de ordem jurídica estão suficientemente expostos na própria tese, agora transpostos para as páginas deste livro.

A construção da tese é uma convergência filosófico-jurídica que conforta um sentimento popular de justiça. Muitas vezes, somos sacudidos por notícias espantosas, cuja realidade é custoso admitir. Quem não lembra da tragédia de Mariana, repetida em Brumadinho? Do acidente aéreo que dizimou o time de futebol da Chapecoense, vindo-se a saber que a causa foi a intenção do fretista de economizar combustível? Ou do caso do automóvel defeituoso, cujo fabricante estimou que seria mais econômico indenizar as prováveis vítimas dos acidentes do que corrigir o defeito de engenharia? Também ocorrem fatos mais banais, como a cobrança excessiva e injustificada de pequenas quantias nas contas mensais de milhões de assinantes de serviços como telefonia e internet, cujo resultado, quando a prática desonesta é descoberta, é simplesmente a restituição dos valores pagos a quem reclamou. Em casos assim, aflora em cada um de nós uma forte indignação cívica, amortecida pelo tempo e quase sempre seguida da profunda desilusão de vermos que as consequências para os responsáveis ficam muito aquém do grande dano que causaram. Este é o fulcro do debate sobre a função dissuasória da responsabilidade civil.

Para tratar de tema tão complexo, Luciana foi à filosofia buscar um marco teórico na concepção aristotélico-tomista de justiça, conjugando-a com a justiça social, orientadora da atividade econômica, conforme o art. 170, da Constituição da República brasileira, e com o objetivo de construção de uma sociedade justa e solidária, como determina o art. 3º, da mesma Carta. Justiça social pela via da solidariedade e da equânime distribuição dos benefícios da atividade econômica, eis o pórtico de valores que permite chegar ao art. 944, parágrafo único do Código Civil, para interpretá-lo à luz da equidade, dando-lhe a correlata extensão nas situações em que, ao contrário da pequena proporção da culpa em face da gravidade do dano, verifica-se uma conduta aberrantemente indiferente às possíveis consequências desastrosas que ela pode causar. Para dar viabilidade prática à construção teórica, Luciana formulou os três pressupostos que autorizariam o juiz a exasperar o valor da indenização: a possibilidade, para o autor do dano, de ter adotado medidas preventivas para a minoração dos efeitos; a reiteração do cometimento de fatos graves pelo autor do dano; ou a obtenção de lucro decorrente de condutas reprováveis.

Se você, caro leitor, talvez não tendo familiaridade com a linguagem jurídica, é, contudo, sensível aos fatos sociais tomados como hipóteses para demonstração da oportunidade da tese, então o livro a ser lido é precisamente este. Sem abandonar a técnica – e nem poderia, pois se trata de uma tese doutoral – Luciana discorre sobre o pesado tema com leveza e fluência. Seu texto é tecido com lógica argumentativa, tornando-se de fácil entendimento para os leigos. Se, ao invés, você é do ramo, independentemente da posição que tenha sobre o tema, eis aqui uma frutuosa oportunidade de pensar novamente sobre ele. Espero que, para uns e outros, fique ao final a sensação de que, sim, o direito pode ser o caminho da justiça e redimir os nossos sentimentos de espanto diante da ocorrência de fatos aterradores que jamais deveriam acontecer ou, em acontecendo, de modo nenhum poderiam ficar “por isso mesmo” ou receberem soluções pífias.

A trilha percorrida pela autora da tese durante a sua elaboração foi típica de muitas jovens doutorandas. No meio do caminho, surgiu a bênção da maternidade, o que sempre exige sacrifícios redobrados. Foi assim que Luciana deu a luz à sua pequena Sofia e também fez nascer o brilhante fruto da sua privilegiada inteligência marcelinense. Que esses frutos se multipliquem.

Porto Alegre, agosto de 2020.

Adalberto Pasqualotto

Professor Titular da Escola de Direito da PUCRS

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PREFÁCIO

C

 

om satisfação recebi o honroso convite de Luciana Gemelli Eick para prefaciar sua tese de doutoramento intitulada A função dissuasória da responsabilidade civil: fundamentos e proposta de aplicação no direito brasileiro. Trata-se, sem qualquer dúvida, de uma contribuição original e extremamente útil ao estudo e à prática da responsabilidade civil. Ademais, é obra que já vem cheia de predicados, a confortar o leitor sobre seus méritos. Elaborada sob orientação do Professor Adalberto de Souza Pasqualotto, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, foi objeto de exigente análise da banca examinadora, da qual participei junto com os Professores André Perin Schmidt Neto, Eugênio Facchini Neto, Marcos Jorge Catalan e do Ministro Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, do Superior Tribunal de Justiça. Todos reconhecidos especialistas da matéria no Brasil.

A responsabilidade civil vem, de algum tempo, enfrentando um debate no Brasil sobre seu exato lugar e utilidade, tendo de um lado a realidade da nova sociedade de risco (Risikogesellschaft) expressão que se passou a repetir, especialmente, a partir da notoriedade da obra do sociólogo alemão Ulrich Beck, publicada originalmente há quase quarenta anos.[1] A rigor, o sentido como a expressão é tomada pelo direito privado apenas em parte corresponde ao sentido original que lhe atribui o autor, mas revela as incertezas sobre o modo como os juristas podem enfrentar a realidade de novos riscos decorrentes das transformações inerentes à sociedade de massas, hiperconectada e hipercomplexa, sobretudo quando aos danos que dela decorrem.

A reparação dos danos sempre foi a resposta que o direito privado deu ao ilícito que os causa. A origem da expressão indenização associa-se a esta noção de recompor o dano. E assim vem sendo percebida, em especial, no direito positivo, a partir da conhecida fórmula do art. 944 do Código Civil, de que “a indenização se mede pela extensão do dano”. Daí tudo se tira, em especial a conclusão de que, em nenhuma hipótese, a indenização – que é a resposta do direito civil ao ilícito danoso – poderá superar o valor do dano.

É em contraposição a esta conclusão que, afinal, levanta-se a tese da autora. A aproximação do direito brasileiro aos sistemas de common law – notadamente o direito norte-americano – nas últimas décadas, fez célebre a identificação das chamadas punitive damages há muito consagradas naquele país, pela qual também no âmbito da reparação civil a resposta do Direito não se coloca apenas como uma reação ao prejuízo da vítima tomado individualmente, senão à importância social do desestímulo à conduta ilícita que promove o dano. A pura tradução do instituto, por vezes sem cuidados específicos, fez com expressões como perdas e danos punitivas, indenização punitiva, função punitiva ou ainda, dando como idênticos expressões variantes, perdas e danos exemplares (exemplary damages) se tornassem comuns nos debates mais contemporâneos sobre responsabilidade civil. Sempre, porém, sob a sombra da advertência de que na tradição brasileira, o lugar da punição ou de avaliação da culpa para a sanção jurídica seria o direito penal, não o direito privado.

É certo que muitos são os cuidados a serem tomados na importação de institutos de sistemas jurídicos estrangeiros. O direito comparado é método a ser tomado com certa dose de autocontenção pelos juristas locais. Inclusive, sob pena de que sua contribuição positiva reconhecida nos transplantes jurídicos,[2] ou a circulação de modelos jurídicos,[3] ao invés do desejado aperfeiçoamento do direito nacional, produza bizarrices ou ideias fora do lugar – expressão consagrada em vários quadrantes da crítica à cultura brasileira. No tema da introdução das punitve damages no direito brasileiro, as conclusões já achadas dão conta de sua impropriedade, considerando que não pode a vítima enriquecer com o dano, tampouco se ultrapassa o limite que a lei define – a partir da já mencionada fórmula do art. 944 do Código Civil  - de que outra coisa se busque na indenização senão a estrita recomposição do patrimônio do lesado.

É aí que a autora arrisca e faz tese – como deve ser em um doutoramento. Não se trata de dizer que a experiência norte-americana deve caber e se amoldar nas vicissitudes da realidade brasileira. Tampouco de que é toda a solução identificar-se que a indenização deve punir. Não se ignora também o texto expresso da lei. O que Luciana Eick propõe é trabalho de desenhar e coser conceitos já postos no pensamento jurídico, sem deixar de registrar certos pressupostos que devem ser tomados em considerações. Diz ela, que não mais se justifica a divisão estanque entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, separando ademais a exclusividade das funções de uma e outra. Da mesma forma, que o a indenização para além do dano, se tomada como enriquecimento da vítima, não será só por isso sem causa, se for reconhecida pelo próprio Direito uma função específica para tal. E questiona se a equidade que, também por lei, serve para reduzir o valor da indenização (em especial o parágrafo único do art. 944 do Código Civil), não pode também ser fundamento para aumenta-la, quando de sua correta aplicação assim resulte.

Não é papel do prefácio substituir o texto principal, mas sendo permitido sintetizar o que bem propõe a autora, diferencia o que se entende por função punitiva e que vai construir como resultado da sua reflexão e pesquisa, uma função dissuasória da indenização – e da própria reparação civil. A primeira, como ensina olha pra o passado, pois pune a falta cometida; a outra divisa o futuro, quer afinal evitar a repetição do comportamento antijurídico. Não apenas lança a ideia – que afinal, não é de todo desconhecida – mas à entrelaça aos próprios fundamentos do direito privado e de sua relação com a Constituição da República e sua dogmática dos princípios e direitos fundamentais.

Como em toda boa tese acadêmica – afirmo com frequência – pode-se concordar ou discordar, em tudo ou em parte com as premissas e conclusões do autor. Porém, nunca se deixa de aprender, e muito, sobre o objeto de pesquisa. A tese de Luciana Eick é linear, serve-se de excelente pesquisa teórica – inclusive com importante incursão sobre os seus fundamentos filosóficos, a apoiar as reflexões sobre a noção de justiça que fazem o pano de fundo da própria noção de reparação civil. O exame crítico da visão predominante não tem afetações, dominando a elegância da linguagem e dos argumentos.  Não seria de esperar outra coisa dela, pesquisadora e jurista com trajetória consolidada na pesquisa acadêmica, desde os tempos de graduação, sempre guiada na sua PUCRS, pelo grande Professor Adalberto de Souza Pasqualotto, mestre consumado que dispensa apresentações.

É desejar que os leitores retirem da tese o melhor, que é sua contribuição genuína para solução de um problema prático da maior importância: a necessária efetividade que o direito privado deve oferecer na reparação dos danos. A indenização civil não pode se converter, em razão de seus limites, a uma licença para causar danos; tampouco uma resposta alegórica ao sofrimento ou prejuízo alheio. Aliás, se é a responsabilidade civil – como sustento – a resposta do direito privado quando todo o mais não funcionou, como mais razão a solução que proponha deve ter em vista o propósito não apenas de assegurar a reparação da vítima, mas de afirmar a autoridade do próprio Direito.

Porto Alegre, setembro de 2020.

Bruno Miragem

Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nos cursos de graduação e no Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD/UFRGS).

 

[1]     Ulrich Beck, Risikogesellschaft. Auf dem Weg in eine andere Moderne. Frankfurt: Surkhamp, 1986.

[2]     Em acordo com a consagrada expressão de Alan WatsonLegal Transplants: An Approach to Comparative Law, 2nd ed., University of Georgia Press, 1993.

[3]     Como preferem os europeus, v. Éric Agostini, La circulation des modèles juridiques, Revue international de droit comparé, v. 42, 2 avril-juin, 1990, p. 461-467.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

 

I  ........ FUNÇÕES E FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1          Funções da Responsabilidade civil: uma análise sobre o propósito do dever de indenizar 

1.1       FUNÇÕES BÁSICAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.1.1     Função reparatória

1.1.2     Função compensatória

1.2       FUNÇÕES EXCEPCIONAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1.2.1     Função Punitiva

1.2.2     Função Dissuasória

1.3       DISFUNÇÕES DOS PUNITIVE DAMAGES

1.3.1     Overcompensation

1.3.2     Overdeterrence

2          A CONCEPÇÃO ARISTOTÉLICO-TOMISTA DE JUSTIÇA E OS PRINCÍPIOS INFORMADORES DA FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1       CRITÉRIOS DE JUSTIÇA

2.1.1     Justiça Geral

2.1.2     Justiça Particular

2.1.3     Justiça Social

2.2       PRINCÍPIOS INFORMADORES DE UMA NOVA FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL 

2.2.1     O princípio da dignidade da pessoa humana e a busca pela igualdade

2.2.2     O princípio da Solidariedade

2.2.3     O Princípio da Dissuasão

2.3       PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL

2.3.1     Conteúdo do Princípio da reparação integral

2.3.2     Funções do princípio da reparação integral

2.3.3     Mitigação do princípio da reparação integral

 

II  ....... A EQUIDADE COMO CRITÉRIO DE JUSTIÇA NA FIXAÇÃO DO MONTANTE INDENIZATÓRIO 

1          A EQUIDADE E O ARTIGO 944 DO CÓDIGO CIVIL: UMA ANÁLISE SOBRE OS CRITÉRIOS DE JUSTIÇA ESTABELECIDOS PELO DISPOSITIVO

1.1       CONCEITO DE EQUIDADE NO PENSAMENTO ARISTOTÉLICO-TOMISTA

1.1.1     Funções da equidade

1.1.2     Equidade como fundamento para a redução da indenização

1.2       PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 944 E A APARENTE INJUSTIÇA COMUTATIVA

1.2.1     Postulado da razoabilidade como proporção para a redução

1.2.2     A aparente injustiça na comutação

1.3       ARTIGO 944 E A IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO

1.3.1     Limites entre responsabilidade civil e responsabilidade penal

1.3.2     Enriquecimento sem causa

2          PRESSUPOSTOS DA INDENIZAÇÃO PUNITIVA NO BRASIL

2.1       ARTIGO 944 E A POSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO

2.1.1     Hipóteses de pena civil

2.1.2     O enriquecimento com causa justificada

2.1.3     Postulado da razoabilidade enquanto equidade como critério para majoração

2.2       O DOLO E A CULPA NA RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA

2.2.1     A culpa e o dolo como critério de imputação

2.2.2     A culpa como critério de minoração do quantum indenizatório

2.2.3     A culpa e o dolo como critério de majoração do quantum indenizatório

2.3       O PRINCÍPIO DA DISSUASÃO NA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA

2.3.1     Conhecimento e ausência de estratégias de prevenção: O prévio conhecimento que permitia evitar ou minimizar o dano

2.3.2     Reincidência: A reiteração de fatos danos

2.3.3     Ilícito lucrativo: A obtenção de lucro com o ilícito

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS